O
SERTANEJO
JOÃO LINO VIEIRA
E O RENASCIMENTO DO    MANGARITO


Agricultor de origem humilde, filho de colono, criado em fazenda de café, onde viveu até os dezesseis anos, sendo anunciado à comunidade como tendo “nascido embaixo de um pé de café,” dado o vínculo prematuro com o trabalho, logo aos seis anos de idade, já era limpador de troncos dos pés de cafés.

A primeira tarefa inicial para inaugurar a colheita de café, cabe ao limpador de tronco, que realiza essa operação antes de começar a primeira varredura dos ‘grãos’ caídos e amadurecidos com antecedência e que já se encontram bem secos, devendo ser recolhidos e aproveitados antes que sejam estragados. Após algum tempo, até constatar o amadurecimento da maioria dos ‘grãos,’ começa a derriçada do cafezal, que é precedida de nova e última limpeza dos troncos, cuja tarefa consiste no emprego de crianças de tenra idade, normalmente, a partir dos seis anos de idade, porque elas têm facilidade de penetrar em baixo das saias dos cafeeiros e com as mãos arrastam tudo que ali se encontram alojados como pedaços de galhos, folhas secas, grãos de café, enfim, o chão deverá ficar bem limpo.
Tal serviço aparentemente bem simples, é revestido de muitos riscos, pois ao introduzir suas mãozinhas no meio dos troncos, muitas vezes lá se encontram também aranhas e cobras venenosas, aproveitando a sombra ou o calor das folhas, ocasionando acidentes de terríveis conseqüências, aliados ainda a outros inimigos, considerados hospedeiros dos pés de cafés, também de efeitos alienantes e com trágicos resultados para as suas vítimas.

Estou fazendo referência aos famosos marimbondos carijós amarelos, chamados de Tapa-guela e às taturanas Bezerras ou “Pelos de vaca” de cor avermelhados, insetos esses, especialmente os marimbondos, conforme a designação do seu nome, atacam a garganta causando uma pequena sufocação e ambos causam febres e ínguas debaixo dos braços , vômitos, enfim um mal estar geral. Este é o começo da realidade do filho do camponês, que é despertado junto com todos da família através de uma buzina, às quatro horas da manhã pelo administrador da fazenda, avisando que é hora de se levantar e se preparar para iniciar o trabalho diário, quando novamente, às cinco horas o último toque de buzina, ordenando a saída em direção da frente de trabalho. Em quaisquer condições que se apresente a natureza, com frio, geada ou chuvas, o capataz, indiferente a qualquer risco de saúde, jamais permite ao trabalhador rural fugir das intempéries, e como raramente encontra algum abrigo, quando toma chuva, a roupa molhada pela chuva é enxugada pelo calor do corpo.

Este processo de inúmeras dificuldades enfrentadas pelo caboclo, desde pequeno, é como se fosse uma ferramenta, que, quanto mais exposta ao fogo, garante-lhe uma melhor têmpera, dando-lhe cada vez mais energia, para suportar todos os desafios.Esses fatos ocorridos há mais de setenta anos, lembrados e vividos em carne e osso dão esta prova, como testemunha reais, que o caboclo é um forte, capaz de resistir a tudo e muitas vezes com a barriga roncando, com saúde precária, sem fazer corpo mole, pois o capataz o espreita e podia despensá-lo sem direito algum. De tudo na vida é preciso saber tirar proveito de todas as experiências, porque ao nosso redor há uma infinidade de aspectos maravilhosos, capazes de superar obstáculos e ensejar ao nosso ego momentos de grandes deslumbramentos, pois a natureza foi criada para serví-lo e dela se servir. Basta você abrir os olhos, fixá-los bem próximos ou além do horizonte e sentir-se dono, sem escritura nas mãos, como cidadão, daquilo que ninguém pode lhe negar, pois a natureza é nossa e ao privilegiado da visão poder ser considerado o dono do mundo. Ao se deparar diante da natureza, você encontra nas florestas uma riqueza enorme de espécies de todos os matizes de cores das folhas e troncos, com dimensões de formas diferentes umas das outras, com copas as mais variadas, sem falar no multicolorido abundante das flores durante o ano inteiro, festejado por uma fantástica orquestra de pássaros, só eles já bastariam para deixar a todos felizes em função da enorme variedade de cantos e cores.

Nada mais extasiante que encontrar no declive das encostas cobertas de matas de aquele chilreio de uma fonte cristalina de água geladinha, transbordando para o solo ininterruptamente e você arrancar uma folha de caetê, enchendo-a de água, com aquele brilho transparente refletindo no seu rosto como um espelho. É como você querer saciar a sede, igual alguém perdido num deserto e clamando por uma fonte de água. Tem por acaso coisa mais gostosa? Somente podemos igualar estes momentos deliciosos, se você estiver enfrentando um calor daqueles verificados após meio dia, em período de pleno verão, com céu aberto e o calor do sol parece subir do chão queimando o corpo e desesperadamente clamando por encontrar uma sombra amiga e acolhedora, acompanhada daquela brisa que roça o seu rosto e você renasce com toda energia, bendizendo aos céus esta graça generosa.

Mas Deus na sua grandesa sabe distribuir os seus talentos, pois não tive tudo que eu desejava, mas me enriqueceu com a coragem e determinação para correr e buscar outras fontes. Devido a minha constante aliança com a terra e sabendo que tudo nela nasce e tudo nela morre, com ela celebrei um casamento, prometendo nunca me desvincular dela por mais distante que me encontrasse. Relembro sempre o meu passado na infância, que foi de pobreza, mas não de miséria, porém rico em vivência pelo constante contato com a natureza, dela obtendo as coisas mais saborosas.
Sempre vem a lembrança, de uma boa comida feita pelas mãos calejadas da minha mãe, naquele famoso fogão a lenha, rodeado de picumãs pendurados pelas paredes velhas das casas, que não requeria nenhum preceito de higiene e todos comiam com satisfação e alegria sem nenhuma reclamação. E é daquela comida que a minha mãe fazia com o pouco que dispunha, que era preparado um arroz com feijão com tempero de gordura de porco, sal e alho e que ao se aproximar da nossa casa, à distância sentia um cheiro a exalar no ar, enchendo a boca de água e aumentando a vontade de comer. Foi muito útil esta vivência na roça, pois me tornei herdeiro de um colossal vínculo com muitas coisas produzidas na terra especialmente com as batatinhas cozidas pela minha mãe, quando tinha uns oito anos de idade, chamadas de "mangarito".

Elas nunca mais saíram da minha idéia, causando-me uma constante preocupação que me perseguiu por toda a vida e talvez graças a este pequeno tubérculo fui destinado a comprar um pequeno sítio em Sarapuí, próximo de Sorocaba, onde imediatamente comecei a cultivar mangarito sem nenhum conhecimento dos seus cuidados culturais, porém decidido a encontrar meios para alcançar os meus objetivos. Foi fracasso atrás de fracasso e durante quatorze anos de teimosia e nenhum desânimo, cada vez mais robustecia a minha vontade determinante que, brevemente iria atingir a predestinada meta de produzir mangarito e oferecer aos inúmeros interessados que o aguardavam ansiosamente, o seu ressurgimento. No ano passado, plantei umas 6.000 covas de mangarito, que foram desenvolvidos mais pelo gosto, paixão e obstinação, dando-me um enorme orgulho de nunca ter visto uma plantação semelhante, sendo objeto de anunciar a sua oferta no Suplemento Agrícola do Estado de S. Paulo, ocorrido, em 23-05-Ol. A oferta de mangarito proporcionou uma avalanche de interessados no Brasil inteiro solicitando para consumo especialmente e também para plantio. Tive a honra até da TV Globo exibir uma reportagem no programa GLOBO RURAL num domingo de manhã , sobre a colheita no meu sítio, bem como solicitaram também uma receita que ficou famosa por se tratar de uma primeira receita de mangarito exibida na televisão e foi batizada de GALINHA CAIPIRA COM MANGARITO. Não foi maior o sucesso porque a produção de l.5OO QUILOS se esgotou rapidamente, deixando ainda para atender dezenas de pedidos que serão atendidos este ano. em virtude de melhor experiência e melhor seleção de sementes esta nova safra promete , a partir de maio próximo, uma produção de três toneladas.

Convém ressaltar que o anúncio oferecido pelo SUPLEMENTO AGRÍCOLA DO JORNAL ESTADO DE S. PAULO e exibição pela GLOBO RURAL, foi de fundamental importância para o desconhecido mangarito, que será logo e obrigatoriamente um prato servido em todos os bares que fazem sucesso nos fins de semanas e restaurantes de todas as categorias, como também, estará fazendo companhia ao SLOW FOOD, em grande expansão no BRASIL e no mundo todo. Para gáudio dos atuais mangaritanos que recentemente se tornaram consumidores, poderão tomar conhecimento da enorme relação de receitas novas que serão exibidas brevemente no meu site já cadastrado, onde todos escolherão as melhores delicias salgadas ou doces.

E BOM APETITE!!!. AGUARDEM!!!

* Noutras regiões o mangarito também é conhecido como MANGARÁ – MIRIM.

GUIA RURAL ABRIL 1986
João Lino Vieira
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